Durão Barroso na Goldman Sachs, ou a ética europeia maltratada

, por Lorène Weber, Traduzido por Afonso Ferreira

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Durão Barroso na Goldman Sachs, ou a ética europeia maltratada
Emily O’Reilly, Procuradora de Justiça Europeia, e José Manuel Barroso, antigo Presidente da Comissão Europeia, 04/03/2014. CC - Audiovisual Services of the European Commission

Há um ano e meio, escrevi um artigo (em francês) sobre o escândalo que marcou a União Europeia no verão de 2016: José Manuel Durão Barroso, antigo Presidente da Comissão Europeia, tinha sido contratado pela financeira multinacional Goldman Sachs. Desde então, é infelizmente óbvio que não foram tomadas medidas fortes ou sanções na luta contra os conflitos de interesses, e que nem a criação de comités éticos ad-hoc ou revisões do Código de Conduta para Membros da Comissão Europeia foram suficientes.

«Portas giratórias» e conflitos de interesse: qual é o risco?

«Pouco ético», «moralmente questionável», «desonesto», «irresponsável», «vendido», «porta giratória de ouro», «um dedo do meio à Europa»… Brotaram insultos e indignação depois da notícia que Durão Barroso tinha sido contratado pela Goldman Sachs. Mas Barroso já não é um dirigente europeu, e tem, legalmente, o direito de trabalhar no setor privado. Então, porque terá provocado a sua contratação tanta contestação pública?

A situação em que um alto funcionário abandona a função pública para trabalhar no setor privado é conhecida como «porta giratória», e é um fenómeno crítico. De facto, é possível que surjam problemas éticos e deontológicos caso estas situações criem conflitos de interesse. Por exemplo, se um alto funcionário que tivesse trabalhado no Ministério da Saúde de um Estado fizesse lobbying para a indústria do tabaco teríamos uma questão ética grave. Porquê? Porque como um funcionário da Saúde, ele teria trabalhado em legislação da área, por exemplo quanto à limitação do consumo de tabaco em espaços públicos, a proibição de determinadas substâncias em cigarros, ou na criação de campanhas sobre a ligação entre o fumo e o cancro. Trabalhando como lobista para uma tabaqueira, ele seria levado a tentar influenciar o legislador a aprovar alterações favoráveis que reduzissem estas campanhas, ou que pessoal do Ministério da Saúde fizesse discursos que contestassem as consequências do consumo de tabaco na saúde. Em suma, em vez de defender o interesse público e a saúde, ele passaria a defender e apoiar interesses privados.

Estas situações são cada vez mais criticadas, e não só pela opinião pública ou pela sociedade civil. Emily O’Reilly, a Procuradora de Justiça Europeia, tem criticado publicamente este fenómeno, tendo até já lançado vários inquéritos sobre as portas giratórias, incluindo um focado no caso de Durão Barroso, no começo de 2017.

No entanto, Barroso não violou o Código de Conduta para Membros da Comissão Europeia, que impõe um período de nojo de 18 meses (na altura), desde o fim do mandato dos comissários, durante o qual estes têm de informar a Comissão para terem o direito de trabalhar para uma empresa privada. Durão Barroso não quebrou esta regra, visto ter-se juntado à Goldman Sachs mais de 18 meses depois de ter abandonado a Comissão. Então, onde está o problema?

O legal não é sempre moral: o «caso Durão Barroso»

O primeiro problema prende-se com o contexto político. Durão Barroso foi contratado numa altura em que a Goldman Sachs, baseada em Londres, se preparava para as consequências do Brexit (o resultado do referendo foi conhecido a 24 de junho de 2016 e Barroso foi contratado duas semanas depois). A atividade daquele banco de investimento depende muito dos «direitos passaporte» concedidos aos bancos sedeados na União Europeia, que podem vender os seus serviços livremente por toda a EU, dando acesso ilimitado ao Reino Unido a empresas europeias. Assim, o Brexit e a saída do Reino Unido do mercado único ameaçam a Goldman Sachs, que anunciou até que estava a considerar mover metade dos seus empregos londrinos para Frankfurt.

Durão Barroso foi abertamente contratado como «chairman não-executivo de operações internacionais» e «conselheiro» pelo seu vasto número de contactos e conhecimento íntimo da complexa máquina europeia, e para ajudar a empresa a «limitar os efeitos negativos do Brexit». O próprio Barroso afirmou-o: «É claro que conheço bem a UE, e também conheço relativamente bem o ambiente do Reino Unido. Se os meus conselhos podem ser úteis nesta circunstância, é claro que estou pronto para contribuir.» Também reconheceu que os direitos passaporte seriam uma das questões mais sensíveis nas negociações entre a UE e o Reino Unido.

Outra questão: Barroso foi Presidente da Comissão enquanto a instituição lidava com a crise financeira, e foi contratado por um dos bancos que tem sido mais implicado na crise grega. A Goldman Sachs tinha ajudado a Grécia a esconder o seu défice para permanecer na Zona Euro, e depois apostou contra a dívida grega, sabendo perfeitamente da sua falta de sustentabilidade. Um antigo Presidente de uma instituição europeia, supostamente responsável a proteger os valores da União, de entre os quais se contam a solidariedade e a integridade, não parece ver qualquer problema ético em trabalhar para uma instituição bancária que contribuiu para danificar um dos seus Estados Membros, e, por extensão, a União Económica e Monetária.

Em terceiro lugar, o caso Barroso fragilizou a imagem pública e a integridade da UE. Esta contratação é altamente prejudicial para as instituições europeias, e contribui para aumentar a crise de confiança dos cidadãos europeus. É um símbolo de desastre para a União que um antigo Presidente da Comissão – o antigo Presidente do executivo europeu – esteja ligado a um mundo financeiro sem ética e sem rédeas incarnado pela Goldman Sachs. Também é um milagre para os partidos eurocéticos. Depois de a contratação de Barroso ter sido anunciada, Marine Le Pen apressou-se a escrever no Twitter: «Barroso na Goldman Sachs: nada de surpreendente quando se sabe que a UE não serve para proteger as pessoas mas sim a banca». Do mesmo modo, Nigel Farage «tweetou» ironicamente: “Parabéns ao antigo Presidente da Comissão Europeia Barroso, que agora está na Goldman Sachs. Corporativismo global!”

Este tipo de escândalo, e estas reações, podem levar a uma perceção negativa geral das instituições europeias, a um descrédito da UE, e a uma fragilização da integridade da União Europeia como um todo. Mas, aparentemente, o antigo presidente do seu órgão executivo não estava preocupado com isso.

Uma reação imediata da União…

A União reagiu imediatamente às notícias, começando pela Procuradora de Justiça Europeia, Emily O’Reilly, que expressou publicamente o seu descontentamento e enviou uma carta a Jean-Claude Juncker – o atual Presidente da Comissão -, avisando-o das preocupações éticas causadas pela nomeação de Barroso. Juncker respondeu, pediu oficialmente a Barroso que se explicasse, e abriu um inquérito sobre a nomeação do seu antecessor.

Foi pedido a um comité ético ad-hoc da Comissão Europeia que analisasse a conformidade das novas funções de Barroso à luz da legislação europeia, não sendo o fim do período de nojo de 18 meses o único critério a ser tomado em consideração. Afinal, e de acordo com o Código de Conduta e com o Artigo 245.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, os antigos membros da Comissão devem comportar-se com «integridade e discrição». A nomeação de Barroso pode assim parecer contrária a estes princípios de uma função pública europeia que deve defender o interesse público europeu. Um coletivo de funcionários europeus lançou até uma petição neste sentido, intitulada «A favor de medidas exemplares tomadas contra JM Barroso por se ter juntado à Goldman Sachs», que obteve 154 036 assinaturas e acusa Barroso de ter desonrado a função pública europeia e a União Europeia como um todo.

Quais seriam as consequências concretas para Durão Barroso? Ele não seria recebido na Comissão como um dos seus antigos presidentes, mas como um simples lobista. Além disso, os antigos comissários que não se comportassem com integridade nas suas novas funções poderiam ver as suas pensões ser-lhes retiradas. Isso enviaria uma forte mensagem aos cidadãos: a União não tolera casos óbvios de portas giratórias e conflitos de interesses, e opõe-se a uma financeira multinacional envolvida na crise do subprime.

…seguida por desenvolvimentos desapontantes

Embora as reações da Procuradora de Justiça e dos funcionários europeus tenham sido notórias, não foram, infelizmente, seguidas por quaisquer medidas concretas. Para começar, o comité ético ad-hoc concluiu que Barroso não violou regra alguma ao aceitar um emprego junto da Goldman Sachs, notando que os 18 meses do período de nojo tinham sido respeitados, e que «não existem bases para estabelecer uma violação dos deveres de integridade e discrição». O comité reconheceu tepidamente que Barroso não tinha «mostrado o julgamento sensível que se poderia esperar de alguém que ocupou um cargo tão elevado como o seu durante tantos anos». Mas isto não pode ser considerado, nem uma sanção, nem um aviso ou mensagem fortes.

No entanto, uma revisão do Código de Conduta para Membros da Comissão Europeia entrou em vigor a 31 de janeiro de 2018, que supostamente «torna mais fortes as regras de ética». Por exemplo, o período de nojo de 18 meses foi alargado para dois anos, para antigos comissários, e três anos para o Presidente da Comissão. Na minha opinião, tal não reforça nada – só atrasa possíveis conflitos de interesse. Não importa se Barroso começou as suas funções depois de 18 meses ou de três anos; considerando a situação e as suas anteriores funções, continua a ser chocante. Do mesmo modo, a definição do que é um «conflito de interesses» no Código e a necessidade de consultar um comité ético não trazem nada de novo que não seja a codificação de práticas que já existiam, e que, como se viu, nada solucionaram.

Finalmente, o último grande desenvolvimento foi uma reunião, vertida em controvérsia, entre Durão Barroso e Jyrki Katainen, o atual Vice-Presidente da Comissão Europeia para o Emprego, o Crescimento, o Investimento e a Competitividade. Esta reunião foi revelada pela Alter-EU, a Aliança para a Transparência do Lobbying e Regulação Ética, que suspeita que esta reunião terá sido uma atividade de lobbying, tendo Barroso afirmado anteriormente a Juncker que não faria qualquer lobbying a favor da Goldman Sachs. As suspeitas da Alter-EU são partilhadas por Emily O’Reilly, que exigiu que o comité ético reanalisasse o caso de Barroso. Infelizmente, e embora a atitude da Provedora de Justiça Europeia seja exemplar e restaure a imagem da União Europeia, o seu pedido foi rejeitado pela Comissão.

Com a Comissão pouco eficiente (ou talvez indiferente) quanto a um verdadeiro melhoramento da luta contra os conflitos de interesse na União Europeia, o Parlamento Europeu (e em particular o seu comité de Assuntos Legais) pode vir a ser a instituição a liderar a luta. Afinal, o Parlamento já tinha pedido à Comissão que revisse o seu Código de Conduta, e pode estar mais recetivo aos pedidos e opiniões da Procuradora de Justiça.

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