A cidadania europeia não está à venda!

, por Thomas Buttin, Traduzido por Nayse Hillesheim

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A cidadania europeia não está à venda!

As famílias sauditas al-Muhaidib al-Agil adquiriram 62 passaportes junto às autoridades maltesas competentes. Essa prática, que consiste em trocar nacionalidade por dinheiro sem nenhuma obrigação de residência, é comum em alguns países europeus (Malta, Chipre, Letônia, Espanha, Hungria...), mas traz graves consequências.

A cidadania da União se faz parte da cidadania nacional. Esse estatuto de superposição de cidadanias é comumente definido como uma justaposição de estatutos civis e cívicos sujeitos a ordens jurídicas distintas, uma vez que “todas as pessoas que possuam a nacionalidade de um Estado Membro” da União Europeia (UE) são cidadãos europeus. Ele não substitui a cidadania nacional, mas a ela se soma. Uma abordagem ambiciosa da cidadania europeia não pode, pois, se basear no critério de nacionalidade, nem em práticas aviltantes.

Ser cidadão europeu tem um valor inestimável

A cidadania europeia criou um vínculo entre os indivíduos e as instituições. Os direitos assim acordados valorizaram este estatuto, seja por meio de valores externos da cidadania, o passaporte europeu e a proteção diplomática, seja pelos valores éticos e simbólicos, que passam pela construção progressiva de uma Europa política e de uma coesão social europeia.

Ao vender seu passaporte por 650 000€ a estrangeiros não residentes, Malta pretende tirar partido destes múltiplos valores da cidadania. E é fácil compreender as consequências políticas e simbólicas nefastas que isto acarreta. Em primeiro lugar, concentremo-nos no direito democrático fundamental da cidadania: o direito de voto nas eleições europeias e locais. Não há problema em vender o direito de voto a estranhos? Evidentemente, a cidadania não pode ser resumida numa votação. Acima de tudo, ela significa uma obrigação de tratar os membros de uma comunidade unida em pé de igualdade. Tornar o próprio estatuto de cidadania um produto comercializável suprime a proteção perene que ele proporciona.

Tudo isto é muito angustiante. Em primeiro lugar, conceder o estatuto de cidadania a um indivíduo significa necessariamente conceder-lhe direitos em todos os Estados-Membros da UE. Em segundo lugar, esta situação revela uma falha recorrente nas instituições europeias, que não podem, no estado atual do direito da União, resolver juridicamente esta situação. Trata-se, pois, de constatar a distorção do projeto comum pelos próprios Estados-Membros, a violação da confiança mútua que os governos depositam uns nos outros. ´

É necessário um quadro europeu para harmonizar a concessão da nacionalidade

A cidadania europeia é uma das principais conquistas da integração europeia. No entanto, esta cidadania sobreposta é ao mesmo tempo um conceito jurídico e político autônomo em relação ao da nacionalidade. Esta dinâmica constitucional estabelece um duplo nível de cidadania, uma no plano europeu e outra no plano estatal, que continua a ser contrastante. A definição de cidadania mantém-se inalterada no Tratado de Lisboa, pela omissão da inclusão dos direitos dos cidadãos na Carta da União. O sentimento de pertencimento à Comunidade Europeia derivaria assim da existência destes direitos efetivos, que aproximam a União da missão tradicional do Estado moderno, tal como teorizado no contrato social de Jean-Jacques Rousseau. No entanto, se por um lado a cidadania da União une os indivíduos à ordem política e jurídica europeia, por outro, as regras que regem este estatuto são determinadas exclusivamente pelos Estados-Membros em plena soberania.

Sem pretender desrespeitar os princípios fundadores da UE, nem o seu funcionamento, é necessário considerar um quadro europeu para a concessão da nacionalidade pelas autoridades nacionais. Trata-se justamente de respeitar escrupulosamente a repartição de competências, através da subsidiariedade, e os valores europeus consagrados nos tratados constitucionais. As regras de concessão da cidadania nacional não precisam ser determinadas apenas pelas instituições europeias: basta definir o que é autorizado e o que é proibido na concessão da cidadania nacional, uma vez que a pessoa em causa não só se tornará um cidadão nacional, mas também um cidadão europeu.

Os requisitos da legislação europeia devem ser respeitados. Já em 1992, o acórdão Micheletti, da Corte de Justiça, havia estabelecido que os Estados-Membros deveriam reconhecer a dimensão europeia num processo relativo a um cidadão binacional, uma vez que não se pode privar um indivíduo dos benefícios dos direitos do cidadão europeu. O juiz europeu pode posicionar-se aqui como um defensor da integração europeia, especialmente face à inércia da Comissão, que permaneceu insensível às preocupações do Parlamento Europeu. Os tribunais europeus também iniciaram esta evolução ao especificar que as condições de concessão da nacionalidade são da competência soberana dos Estados, mas que o respeito do direito europeu neste contexto deve ser garantido. Se esta incursão do direito da União na soberania nacional levanta a questão dos perigos decorrentes da dependência da cidadania europeia da nacionalidade dos Estados-Membros, a questão coloca-se ainda hoje, como no caso da recente controvérsia sobre a compra de passaportes malteses pelos árabes sauditas.

Cumpre levar a cabo uma reflexão europeia séria, e porque não no contexto das próximas eleições europeias de maio de 2019. O enquadramento das regras relativas à concessão da cidadania nacional pelo direito europeu parece ser uma solução adequada. No entanto, o verdadeiro desafio consiste em encontrar uma forma de relançar o processo de integração através de uma Europa dos cidadãos e, por extensão, o estatuto fundamental de cidadania da União.

A UE e os seus cidadãos devem reagir a esta aquisição de cidadania mediante investimento. Devem protestar contra estas políticas que minam a solidariedade entre os Estados-Membros e contra o enfraquecimento interno das normas democráticas. Os direitos conferidos pelo estatuto de cidadania nunca deveriam tornar-se uma mercadoria como qualquer outra, porque a cidadania europeia pressupõe a existência de um interesse na União e depende dos laços do indivíduo com a Europa e os seus Estados-Membros, ou dos seus laços pessoais com os cidadãos europeus. Na sua qualidade de união de democracias, a União deve se preocupar quando a democracia é corrompida pela lógica monetária de um de seus Estados-Membros. A venda da cidadania é uma forma de corrupção. A cidadania europeia não é uma mercadoria. A cidadania europeia não está à venda!

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